“Está a ver? Eu sei falar destas coisas, não me esqueço das palavras, do que se passou! Eu sei falar destes assuntos e muito. Podia estar para aqui a falar durante horas. Estou à vontade, pois são coisas antigas que conheço muito bem, são coisas da minha vida quando era gaiato e quando era moço. O pior são as coisas de agora. Necessito de muito tempo para recordar-me dos nomes. Mas eu sei muitas coisas, não me esqueço das mais antigas. Compreende?

Lá nas aulas da Universidade Sénior não sei o que hei de dizer. Parece que fico bloqueado, com medo de dizer algum disparate. Uma vez tentei responder a uma pergunta do professor. O professor estava a ver se a gente falava, se dizia qualquer coisa para não ser sempre ele a falar. Arrependi-me logo a seguir. Acho que não expliquei bem o que queria dizer. Paciência, já estava dito, já não havia nada a fazer. É por isso que fico calado a ouvir os professores.”

Estes comentários de um homem aposentado, com 88 anos (em 2016) podem ilustrar, pelo menos, duas questões. A primeira é a satisfação expressa por ser capaz de se fazer entender e de desfrutar da própria evocação de memórias, em narrativas fluidas de acontecimentos da vida quotidiana ocorridos na infância, juventude e enquanto adulto jovem. É como se se tratasse de uma “prova” da capacidade de superar as dificuldades de memória de curto prazo através da mobilização da memória de longo prazo.

A segunda questão remete para a importância de aprofundar o conhecimento e a prática de metodologias dialógicas por parte dos animadores sociais e orientadores de atividades de aprendizagem ao longo da vida. Favorecer a visibilidade social dos saberes e o empoderamento de pessoas seniores, cuja memória de curto prazo apresenta alguma deterioração ou lentificação, requer metodologias dialógicas que ativem a interação comunicativa e a construção de conhecimento em atividades de aprendizagem ao longo da vida.

Maria da Luz Correia
Diretora da Associação Pátio das Memórias do Alentejo Litoral, Sines