Memórias? De quem? Para quem? Para que pode servir salvaguardar as memórias?

As Memórias, entendidas como Património Cultural Imaterial, trazem-nos conhecimento sobre formas de viver e de se adaptar, individual e coletivamente, às mudanças em diferentes ciclos da vida em diferentes territórios.

Recorremos à referência incontornável da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura / United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization).

O que nos diz a UNESCO (2015) sobre as memórias e o Património Cultural Imaterial?

A importância da aprendizagem através da salvaguarda das memórias, isto é, do Património Cultural Imaterial, na vida atual, tem valor social e económico. Donde provém este valor? Provém da transmissão do conhecimento em qualquer sociedade, seja ela rural ou urbana, de pequena ou de grande dimensão. Aprender sobre práticas sociais tradicionais relacionadas com o meio ambiente, tradições orais, saberes-fazer do artesanato tradicional, significa adquirir conhecimento sobre saberes transmitidos pelos nossos antepassados. Estes saberes, de alguma forma, ajudam a compreender o que somos hoje, quer seja pelo que rejeitamos, pelo que ignoramos ou pelo que conservamos, adaptamos e reconhecemos.

A evolução das práticas sociais e dos artefactos antigos ilustram a adaptação ao meio social e ambiental. Por este motivo as memórias dessas práticas sociais dão-nos o sentido de continuidade, constituem um elo de ligação entre o passado, o presente e o futuro.

A UNESCO também tem assinalado que a qualidade de vida das pessoas depende da literacia e da diversificação das formas de comunicação e informação através das tecnologias digitais. As tecnologias digitais têm potencialidades para mediar o nosso conhecimento em geral e do Património Cultural Imaterial em particular.

Já experimentou revisitar o seu bairro com uma câmara fotográfica e fazer o registo de imagens de determinados detalhes das casas, da vegetação? Ou fazer um registo áudio do que dizem alguns habitantes sobre um assunto do bairro? Ou, ainda, já experimentou escrever sobre essa realidade num blogue, ou num jornal escolar?

Qualquer um dos modos de representar a realidade mencionados influencia a maneira como selecionamos a informação, como a usamos e como comunicamos com outras pessoas. Mais ainda: a nossa perceção desses aspetos da realidade já não é a mesma depois de termos feito os registos e de os termos analisado e comentado com outras pessoas.

Atente na foto.

Foto 1 (janela do nº94 da R. Marquês de Pombal, Sines, princípio dos anos 50, séc. XX)

A foto foi tomada para registar uma recordação das pessoas (primas) durante o verão.

Podemos observar também um marco hectométrico com o algarismo 1. Este detalhe só existe nas estradas e corresponde a um sistema de sinalização rodoviária fora de uso. Mas estamos numa rua, a R. Marquês de Pombal. Porquê, então, o marco hectométrico? A história da R. Marquês de Pombal tem antecedentes na antiga Estrada de Santiago que começava na Ribeira de Sines.

Outro detalhe: a cor clara da barra inferior da fachada da casa e a cor escura da parte superior. Poderá suscitar estranheza, dado que as cores popularmente consideradas “típicas” das casas alentejanas eram o branco da cal na parte superior das fachadas e a barra azul anil, ou amarela. A intensidade da cor dependia da capacidade financeira dos proprietários ou inquilinos. Os mais abonados podiam adquirir pigmentos mais vistosos e mais caros. Às famílias com poucas posses restava a possibilidade de caiar e aplicar pigmentos mais baratos, com cor mais esbatida.

As narrativas de memórias podem começar com uma conversa sobre fotos, ou numa conversa inesperada na rua e continuar num serão, em busca de fotos que ilustram ou confirmam as memórias. Quem participa anima-se, desfruta da companhia, mostra os seus conhecimentos, compara, faz perguntas. A evocação de memórias por quem tem muita idade proporciona a satisfação da vitória sobre as barreiras das dificuldades de memória recente.

Estes são alguns dos ingredientes da aprendizagem ao longo da vida e do prazer de conviver.

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(*) Agradecimentos a Sandra Patrício, Técnica Superior do Arquivo Municipal de Sines, pelo apoio à edição digital da foto 1.

Maria da Luz Correia
Diretora da Associação Pátio das Memórias do Alentejo Litoral, Sines



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