Tropezia de água

A avó Bernardina andava sempre com um lenço na cabeça e um xalinho pequeno pelas costas lá na venda*.

Às vezes íamos lá a baixo [a casa dos avós na R. Marquês de Pombal, nº 92] passar um bocadinho do serão. Jantávamos e depois íamos. Era perto e sempre nos distraíamos.

Quando chegámos, os meus avós e as minhas primas estavam a acabar de jantar. Os adultos estavam a conversar. Eu prestei atenção à conversa deles. Eu era muito lambrisca e resolvi dar a minha opinião. A minha avó, que tinha as mãos deformadas pela doença, não gostou e bateu-me com a mão na cara para eu me calar. E disse “Isto não é conversa para ti. Já que os teus pais não te ensinam, toma lá para aprenderes a estar calada”. Aquilo doeu, porque ela bateu com as costas da mão e senti os nós dos dedos a magoarem-me. Eu era moça pequena, devia ter os meus 9 ou 10 anos. Ainda hoje me lembro daquilo.

A minha avó estava muito doente. Morreu de tropezia de água, era o nome que davam naquele tempo [anos 30-40 do séc. XX]. Tinha a barriga e as pernas muito inchadas. Quando piorou e ficou de cama alimentavam-na com um bule para acamados.

*[Mercearia que vendia vinho e produtos alimentares, na R. Marquês de Pombal, n º 94]

Tropezia de água

R. Marquês de Pombal, Sines, Portugal

Recolha
Maria Rita, Sines
Local e data reportados
Sines, R. Marquês de Pombal 92 1940-42
Categoria
Terra e Mar
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