O pinto comeu!

Eu estava a trabalhar na fábrica de cortiça com o porta-lâmina. Quando acabei o trabalho, tentei tirar a lâmina mas ela não desencaixou. Fui lá com a ponta de um ferro para a levantar de um lado, mas o ferro escorregou e a lâmina cortou-me um pedaço do dedo [na falanginha do dedo polegar direito].

Quando me perguntaram “então e onde está o pedaço que saltou do dedo?”, eu respondi “o pedaço que saltou comeu o pinto”. Ficaram admirados “Então o pedaço comeu o pinto?!”. Eu disse “O pinto comeu-o!”. E foi verdade. Quando o pedaço do dedo caiu no chão um pinto que andava por ali comeu-o logo.

Dar a cortiça à banca era o trabalho dos principiantes. O meu irmão João fazia esse trabalho. Levava as placas cortadas à banca para a escolha.

Eu fui quadrador. Era uma criança. Fui para lá com 13 anos e saí aos 16. Trabalhava com o porta-lâmina. Diziam o “portlâmina”, na gíria.

A pessoa que está na banca recebe a cortiça e divide. Esta vai para aqui, esta vai para ali, depende da categoria da cortiça. Uns eram para fazer as rolhas, outros para outras coisas.

O pinto comeu!

Unnamed Road, 7540 Santiago do Cacém, Portugal

Recolha
Carlos C., Sines, 2016
Local e data reportados
Santiago do Cacém, entre a periferia e as ruínas romanas de Miróbriga, fabriqueta de cortiça 1942
Categoria
Terra e Mar
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