Tinha 12 anos e fui dar cortiça à banca à do Sr. António Faria Godinho.
Eram quatro ou cinco irmãos e aquele tinha uma fábrica que ainda lá está, ainda passo por lá. É ali na estrada do Cercal. Aliás, estão umas quatro ou cinco e há uma que ainda está em laboração. Eu tenho lá ido tirar fotografias.
Bem, esse António Faria Godinho era um homem muito bondoso. Ensinou-me como é que se amolava ou afiava uma faca, uma faca chamada de rabanear, ou de aparar as aparas de cortiça. Então, eu com muito cuidado encostava assim a pedra ao peito.
Quando já sabia amolar, afiar a faca muito bem, desencostava do peito e há uma certa vez que fraturei e fiz um lenho aqui [na base da mão]. Bem, lá fui tratado. Ainda hoje tenho aqui uma pequena cicatriz e ainda tenho isto dormente.
Em determinado momento, diz-me ele assim “Tu és um belo mocinho”, dizia-me ele. “Tu não queres ir ganhar mais qualquer coisa ali para a do meu irmão?”, para o Luís Faria Godinho, para o balcão da drogaria, a única drogaria que existia cá [em Sines]. Então, eu digo assim, pois quero. Ganhava-se melhor.
De facto o que me interessava na altura era ganhar mais qualquer coisa para ajudar. O meu pai era um alcoólico e, então, aquilo era uma tristeza em casa. De modo que fui parar à do Luís Faria Godinho. Tinha 12 anos. Este homem impressionou-me sobremaneira. Estive lá oito meses. Quando fui à procura da reforma, isto é um caso raro, quando fui à procura da reforma encontrei os descontos de um gaiato de 12 anos na Caixa de Previdência dos Corticeiros de Lisboa, oito meses de descontos que ele mandou para lá. E depois nunca mais deixei de descontar. De modo que, quando me aposentei, tinha praticamente uma das mais longas carreiras de contribuição.
A26-1, 7520 Sines, Portugal