Após quase 13 anos de vida na Ilha da Madeira, a família teve de regressar a Lisboa por motivos profissionais do meu pai. Não foi fácil gerir a separação das raízes que eu tinha criado.
No Funchal estavam as minhas amigas, as rotinas das aulas no Liceu Jaime Moniz, o deambular pela fazenda comendo pitangas e outros frutos tropicais, recolhendo folhas e flores para o herbário. As férias de Verão em Sines ajudavam a recuperar o prazer do contacto com a Natureza, mas não substituíam os laços com a Ilha da Madeira.
Desde cedo descobri e cultivei o gosto por ballet. Não frequentei a escola de dança no Funchal devido à desconfiança que o meu pai nutria por esses “ambientes estranhos”. Mas podia, sim, contemplar vezes sem conta as inspiradoras fotografias do livro The Wonderful World of Ballet* que o meu pai tinha encomendado e que a Livraria Portugal expediu de Lisboa para o Funchal, em 1966.
Graças à Isabel, colega de escola e amiga, que aprendia ballet na escola de dança do Funchal desde os seis anos de idade, e aos espetáculos de ballet no Teatro Municipal do Funchal, pude adquirir algumas noções básicas de ballet. Os momentos mais emocionantes ocorriam durante a atuação da Isabel em coreografias que ela tinha preparado para uma ocasião festiva. A sala de aula da Escolinha Alemã, uma escola primária inovadora, transformava-se num cenário encantado, com as vénias e os movimentos harmoniosos da coreografia marcados pelo ritmo de um trecho de música para ballet clássico.
Quando o tema das conversas passou a ser a minha partida para Lisboa, a Isabel teve a ideia genial de preparar a lição nº 1 de ballet em forma de banda desenhada. Saí do Funchal na viagem para Lisboa com este precioso papel na bagagem.
As instruções ilustradas sobre a sequência dos exercícios e a música clássica recomendada permitiram que eu continuasse a ensaiar os exercícios elementares de ballet. Permitiram, sobretudo, uma ilusão que apaziguou o afastamento da vida na Madeira.
Já em Lisboa, a comunicação entre as amigas passou a ser feita por correio aéreo. Recebi um envelope da Isabel, com papel azul muito fino, o “papel de avião” utilizado para reduzir o peso da carta e a franquia. O papel azul continha as instruções para a 2ª lição, em banda desenhada, com figuras pequenas devido às reduzidas dimensões do formato.
R. Silvestre Quintino de Freitas 112, 9050-097 Funchal, Portugal